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18 de abr. de 2016

O Cristão e a Legítima Crítica ao Estado

Por Franklin Ferreira

Amados, insisto em que, como estrangeiros e peregrinos no mundo, vocês se abstenham dos desejos carnais que guerreiam contra a alma. Vivam entre os pagãos de maneira exemplar para que, naquilo em que eles os acusam de praticarem o mal, observem as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a Deus no dia da sua intervenção. Por causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens; seja ao rei, como autoridade suprema, seja aos governantes, como por ele enviados para punir os que praticam o mal e honrar os que praticam o bem. Pois é da vontade de Deus que, praticando o bem, vocês silenciem a ignorância dos insensatos. Vivam como pessoas livres, mas não usem a liberdade como desculpa para fazer o mal; vivam como servos de Deus. Tratem a todos com o devido respeito: amem os irmãos, temam a Deus e honrem o rei.”

1 Pedro 2:11-17

Nesta passagem, Pedro está lidando com o governo ideal, como Paulo fez em Rm 13.1-7. Só que Pedro acrescenta um dado novo: o uso do vocábulo “rei”.

De acordo com a maioria dos comentaristas, 1Pedro foi escrita da cidade de Roma (“Babilônia”), capital do império. Para os cidadãos romanos a simples menção a um “rei” (Basileus) seria uma abominação. Júlio Cesar foi assassinado em março de 44 a.C. pelos senadores no fórum, não por ser “ditador” (título que não tinha as conotações negativas atuais, mas que seria um tipo de magistrado extraordinário, nomeado em circunstâncias de perigo extraordinário, com um mandato com duração de seis meses ou enquanto se mantivesse o estado de emergência), mas pela simples desconfiança dos senadores de que Júlio Cesar poderia se tornar um rei.


Para reforçar: romanos tinham horror à monarquia – o senado, que no período régio indicava os reis e limitava seu poder, decidiu abolir a monarquia, convertendo Roma em uma república, em 509 a.C. O uso do título “rei” foi oficialmente proibido em Roma. Nos documentos oficiais imperiais, os títulos empregados eram Cesar Augusto (Kaisar Sebastos ou Kaisar Augoustos), e Imperador (Autokratōr). E o título Imperador, usado na época do principado, pode ser traduzido como “comandante em chefe” do exército romano.


A pergunta é: se Pedro escreveu de Roma, por que ele usaria uma palavra tão provocadora, “rei”? Uma possibilidade é que o autor da carta teria em mente não o imperador, mas o rei ideal do Antigo Testamento, que andava “nos caminhos” de “Davi”. Deste modo o apóstolo aponta aos leitores o tipo de governante ideal, a partir das imagens positivas da realeza, como reveladas no Antigo Testamento. Assim, Pedro (como Paulo em Rm 13.1-7) não está oferecendo uma justificativa para cristãos serem submissos de forma acrítica às autoridades – suposição que contradiria sua corajosa resposta ao poder religioso aliado do poder político, que havia proibido a pregação do Evangelho: “Importa antes obedecer a Deus dos que aos homens” (At 5.29).


Assumindo que a carta foi escrita por Pedro, e ele foi martirizado em c. de 64 d.C., a data de composição da epístola seria em torno de 60 a 64. Esta passagem, então, não ofereceria justificativa para um cristão ser inquestionavelmente obediente a Nero, que já apresentava comportamento errático, e que perseguiu os cristãos que moravam na capital do império, em 64 d.C. Deste modo, o vocábulo “rei” teria sido empregado, justamente, em oposição à representação da figura do próprio imperador.


Portanto, Jacques Ellul destaca que este “seria um texto totalmente subversivo”, pois “visava somente ao poder político de Roma, e não ao Estado em si, já que [com a menção ao rei, o apóstolo] apoiaria um outro poder”, no caso sugerido acima, o rei ideal do Antigo Testamento. Portanto, esta passagem, longe de recomendar a passividade ou obediência irrestrita ao Estado, lembra que a postura dos cristãos da época era uma atitude em que “desprezavam ou recusavam-se a reconhecer o poder político”, embora não rejeitando-o totalmente, assim como “condenavam o poder romano” (Anarquia e cristianismo, p. 84-85). Como Wayne Grudem pontua: “Os cristãos têm obrigações com o estado, mas suas obrigações com Deus e com os irmãos são maiores” (Comentário Bíblico de 1Pedro, p. 124).


Por fim, Pedro enfatiza, concordando com Paulo, que o governo é enviado por Deus para “punir os praticantes do mal e honrar os que fazem o bem”. Aqui também o apóstolo trata da autoridade legítima e a define. Pois, de acordo com Grudem, “governos que deixam de punir malfeitores desobedecem ao propósito divino para sua existência” (Comentário Bíblico de 1Pedro, p. 121).

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